ou O São João é, sim, do Nordeste, Marcos Nogueira
Saber ler, às vezes, é um portal para aborrecimentos e decepções, e talvez por isso eu tenha me afastado um tanto dos veículos de notícias.
Há muitos anos que abrir um site de notícias é garantia de tristeza e indignação. A bem da verdade, para sentir tristeza e indignação basta estar vivo, mas o que antes era dependente do boca a boca e de jornais e veículos impressos, televisivos ou radiofônicos, a internet popularizou ainda mais, de tal forma que, mesmo fazendo esforços para evitar, é quase impossível não saber de assuntos tristes e/ou acontecimentos revoltantes ao entrar em qualquer rede social ou acessar qualquer portal de notícias.
Agora há pouco, por exemplo, entrei no site do jornal Folha de São Paulo. Antes um hábito diário – assim como o de acessar, também, os sites dos jornais O Globo e O Estado de São Paulo -, hoje é uma ação que luto todos os dias para não fazer todos os dias (a repetição foi proposital). Os inúmeros desastres naturais, políticos, sociais, econômicos e de caráter, entre outros (inclusive pessoais), dos últimos anos me obrigaram a fazer uma escolha entre conhecimento e saúde mental. Na impossibilidade de me recuperar plenamente de uma depressão, escolhi pouco me informar, depois de anos e anos consumindo informação ferozmente. Mas tergiverso. Voltemos ao site da Folha.
Agora há pouco acessei o site da Folha. Li diversas manchetes, e algumas me chamaram a atenção, mas uma delas fez mais que isso. Uma delas me causou espécie. Ei-la: “Nordeste não é dono da festa de São João”, título de um artigo escrito por um tal de Marcos Nogueira.
Falou em Nordeste, tem minha atenção. Tentou dar uma aula ao Nordeste, tem minha reprovação, principalmente se a pretensa aula vier de um sudestino. Longe de mim ser xenófobo ou jogar lenha na já flamejante fogueira da rivalidade, por assim dizer, entre Sudeste e Nordeste, mas, farto que estou de tanto preconceito vindo de lá para cá, às vezes chuto o balde e dou uma carteirada em sudestinos que merecem.
É o caso de Marcos Nogueira. Foi com muito desgosto que li seu suposto artigo, ou coluna, ou opinião. Não bastasse se assumir, como que por orgulho, paulistano – mas tudo bem, eu respeito, tenho até amigos que são -, Nogueira tenta ensinar, em seu texto, que as festas juninas não são uma invenção do Nordeste, e que as festas caipiras paulistas existem há tanto tempo quanto existe a tradição nordestina de comemorar o São João.
Ora, Marcos, por favor. Antes de mais nada, lave suas mãos antes de escrever sobre o Nordeste. Você diz que “um pessoalzinho exaltado”, membros de um – também palavras suas – “certo estrato da juventude nordestina”, se arvora para reivindicar a originalidade de nomes de comidas típicas do São João e da própria gênese dos festejos. Mas, novamente, tergiverso. Eu dizia “ora, Marcos”.
Ora, Marcos, por favor. Não pense você que seu preconceito contra os nordestinos, ainda que inconsciente (vou te dar essa colher de chá, até porque não te conheço), não tenha ficado explicitamente implícito em seu “artigo”. “Na posição de paulistano com alguma noção”, você diz, “entendo e relevo a antipatia que o resto do Brasil tem por nós.” Você entende mesmo, Marcos? “Na posição de paulistano”? Você “releva”, Marcos? Nós, nordestinos, devemos te agradecer por você relevar a nossa “antipatia” por “vocês”? Quanta nobreza, Marcos!
Antes de prosseguir para o desfecho deste texto, peço desculpas ao leitor – menos se você, leitor, for o próprio Marcos Nogueira – pela demasiada ironia do parágrafo anterior, mas ela era necessária (mentira, não era, mas eu quis que fosse).
Eu dizia que dizia “ora, Marcos”, tergiversei mais uma vez, com a adição de uma boa dose de ironia, e perdi novamente o foco. Mas, sigamos. O que eu queria dizer, na verdade, era o seguinte: independente do que escreve Marcos Nogueira, do que ele releve ou do que ele pense, os festejos juninos no Brasil nasceram, sim, no Nordeste, trazidos da Europa pelos portugueses no século XVI. É só “dar um Google”. O século XVI, talvez o Marcos não lembre, começou em 1501 e terminou em 1600. E a invasão portuguesa ao Brasil, talvez o Marcos também não lembre, data de 1500 e teve seu início pelo Nordeste. Não precisa ser muito inteligente para ligar os pontos. Por mais que, com o tempo, os festejos tenham se espalhado pelo nosso país, eles nasceram aqui. O Brasil nasceu aqui, no Nordeste. Não gostou? Morda os cotovelos.
É isso. Já chega. Este texto termina sem um desfecho digno de ser chamado de conclusão, porque já perdi tempo demais rebatendo uma bobagem – mais uma! – escrita por um paulistano. Mas, repito, nada contra os paulistanos, tenho até amigos que são.