Já faz algum tempo que venho pensando em escrever sobre como Joe Biden vem sendo tratado nos EUA, principalmente pelos humoristas, mas não apenas. Também a mídia e personalidades influentes tiveram atitudes que cruzaram a linha do bom senso – por exemplo, o ator George Clooney comprou uma página no The New York Times para publicar um artigo seu pedindo que Biden desistisse da corrida presidencial deste ano.
O presidente dos EUA vinha dando sinais de cansaço, desgaste e… velhice. Velhice, sabemos todos, é aquilo que acontece quando envelhecemos. Ano após ano, mês após mês, dia após dia, segundo após segundo. Estou mais velho agora do que quando baixei e printei as imagens desta postagem. Quando postá-la, estarei mais velho do que quando comecei a escrevê-la.
Biden fará, no dia 20 deste mês, 82 anos. Sua trajetória, tanto na vida pessoal quanto na política, é admirável. Ao tomar posse do cargo de senador pela primeira vez, Biden tinha 30 anos, se tornando, assim, um dos seis senadores mais jovens da história do país. Sua vitória foi uma surpresa, pois ele contava com muito menos dinheiro e muito menos capilaridade que seu concorrente, um político tradicional do estado de Delaware. Pouco depois da eleição, a então esposa de Biden e sua filha caçula morreram em um acidente de carro. Seus outros dois filhos se feriram, mas não de forma tão grave. Décadas mais tarde, Beau, o primogênito, morreu aos 46 anos, de câncer. Hunter, então o do meio, muitos anos depois travou uma batalha terrível contra as drogas. Passado o tempo e “superados” os traumas, Biden foi talvez o vice-presidente “mais legal” dos EUA, muito embora tenha cometido diversos erros. Nos últimos anos, como presidente, seu maior erro foi a desastrosa retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão, e outro de seus grandes erros é continuar passando a mão na cabeça de Israel, mesmo que em privado ele já tenha deixado claro seu desprezo por Benjamin Netanyahu.
A propósito, a intenção desta postagem não é passar pano para Joe Biden. Como presidente dos EUA ele tomou algumas decisões terríveis, mas é preciso reconhecer que ele também fez história. Foi o primeiro presidente a apoiar uma manifestação sindical – pessoalmente! -, perdoou dívidas estudantis de mais de 153 mil estudantes e conseguiu aprovar um plano ousado para investimentos em infraestrutura e geração de empregos com duração de dez anos, fazendo com que a taxa de desemprego nos Estados Unidos tenha caído a um de seus menores níveis da história, em fevereiro de 2023.
Mas, como eu dizia, já faz algum tempo que venho pensando em escrever como Joe Biden vem sendo tratado nos EUA. E, se fui impelido a fazer isso agora, foi graças a um vídeo que o humorista Trevor Noah publicou hoje em seu canal no YouTube.
No que parece ser um trecho de uma apresentação sua em um clube de stand-up comedy, Noah fala que estão tratando Biden como “mer**”, apenas pelo fato de Biden estar… velho. Em algumas ocasiões, Biden trocou nomes de líderes de países, nomes de cidades, e demonstrou estar “perdido” em algumas aparições públicas, mas nada muito diferente do que pode acontecer a qualquer pessoa com mais de 40 anos passando por momentos de estresse e/ou burnout.
Noah, que também tem uma trajetória de vida admirável, estende sua indignação à forma como Biden vem sendo tratado a todas as pessoas idosas, fazendo um importante desabafo sobre etarismo e nos chamando à reflexão – tudo isso sem perder a oportunidade de fazer piadas. Mas não ridicularizando Biden, e sim o ridículo que é esperar que uma pessoa de 81 anos de idade não sofra com as circunstâncias que o tempo e a idade nos impõe.
O que mais causa espécie é que parte do tratamento debochado destinado a Biden vem de personalidades liberais – os “liberais” são a “esquerda” (com muitas aspas) estadunidense. Clooney é liberal. Jon Stewart, que fez comentários extremamente desagradáveis sobre Biden, é um liberal. O Saturday Night Live, programa de humor histórico dos EUA, é liberal – ontem, 02 de novembro, Kamala Harris, a candidata do Partido Democrata à presidência, participou da abertura (o famoso “cold open”) do SNL. Eu poderia continuar citando vários e vários exemplos, tanto de humoristas quanto de jornalistas, comentaristas políticos e também de políticos. Um dos poucos que vi falando de forma empática sobre Biden foi o comentarista político Van Jones – que, assim como Trevor Noah, é negro, e que, assim como Trevor Noah, é um dos melhores no que faz. Outra personalidade que tratou Joe Biden de maneira minimamente humana, segundo relatos de bastidores, foi a deputada democrata Nancy Pelosi, uma mulher. Empatia vinda de dois homens negros com consciência de classe e de uma mulher. Que coincidência, não?
Biden tinha que desistir da corrida presidencial. Seu desempenho no debate com Donald Trump foi, para dizer o mínimo, preocupante. A bola que levanto aqui é que Biden não merecia nem merece ser alvo de certas atitudes e comportamentos. Seria possível convencê-lo a desistir da campanha sem o editorial do Clooney ou as “piadas” de Jon Stewart e companhia.
A eleição estadunidense começa a ser apurada daqui a 2 dias, em 5 de novembro, último dia para votação. Se tudo der certo, Kamala Harris será eleita, fazendo com que o fantasma de Donald Trump não possa mais assombrar os Estados Unidos e o mundo. Kamala Harris é a melhor opção para a presidência dos EUA? Para este momento, sem dúvidas, apesar de não ser a opção ideal. Torçamos por ela, afinal, problemas para os EUA são problemas para o mundo inteiro, ou seja, estamos todos no mesmo barco.